viernes, 21 de noviembre de 2008

ETT

Andava falto de dinheiro. Provara no das pizzas, nos burgers e no reparto de jornais debalde. Todas as empresas davam a calada por resposta. Falando do assunto, um colega dixo-me que me anotasse nas ETTs. Seica nom estava tam mal como falavam por aí.
Acheguei-me polo local dumha que ficava mesmo no centro, numha das ruas mais comerciais. Recebeu-me umha moça jeitosa que me havia levar um par de anos. De maneira mui amável, foi-me explicando que o primeiro trabalho consistiria na reposiçom de mercadorias nos andéis dumha grande superfície dedicada à bricolagem. Assinei quatro papéis e recebim um par de botas de segurança.
Ainda nom passara um dia inteiro quando me dirigim ao choio. Era noite fecha e eu nom tinha a moral mui alta, pois ficavam onze horas por diante.
Os chefes da loja nom foram tam amáveis como a rapariga da ETT. Punham grande ênfase na necessidade de andarmos ligeiros e em que nom éramos pagos por nom fazermos nada. Que os que trabalham por horas já se sabe...
Andei a fazer cousas aeito, entre berros dos encarregados. Tam pronto estava a limpar o pó dum andel como carregava um monte de palés cujo conteúdo ainda ignoro a dia de hoje.
As primeiras cinco ou seis horas fôrom duras para um corpo como o meu, pouco habituado a essa classe de trabalhos. Mas, ao passar o equador da jornada, logo notei que me ia automatizando. Isto deu-me sensaçom de velocidade temporal e mesmo umha certa vertigem.
Quando andava a triturar umhas caixas de cartom na máquina, chamárom para assinar. Eu, que havia tempo que ficara só na minha tarefa, corrim para o vestuário. Devecia por me desfazer dumhas botas que guardavam a estranha habilidade de saberem oprimir os pés vindo grandes e todo.
Nom atopei ninguém no meu caminho até a cadeira. Calcei os meus ténis de sempre e os pés pugérom-se-me na glória.
Mas a surpresa veu ao me mirar no espelho. No cristal aparecia um velhote careca, co pouco cabelo que lhe ficava branco como a neve e coa cara cheia de rugas. Parecia que envelhecera sessenta anos de súpeto.

Estivera toda a vida a trabalhar ali.

viernes, 10 de octubre de 2008

Crónica desde a cidade nuclear

Esquecida durante séculos, evaquada coma quem di a perpetuidade, aventuro-me eu na cidade da desgraça. A pesada escafandra, coberta de chumbo, nom me permite mover-me com naturalidade, convertendo-me numha sorte de cosmonauta na sua própria terra. De seguro que se os habitantes do lugar me tivessem visto com este atavio no tempo no que eram tal cousa, haveriam ceivar algumha gargalhada à minha conta. Hoje, porém, o conto é-vos bem outro.

Adentro-me, pois, na vilinha, que foi vindo a mais co auge da central, associada daquela ao progresso e ao adianto por traer emprego e caudais a umha comarca deprimida, um século depois da negativa rotunda de Xove. É possível que a vila marinhá tivesse acabado por ser, coma esta, umha das mais populosas localidades galegas. Talvez lhe sobrevinhesse também a catástrofe, tal como acontecera na vila de Pripiat, Ucraína. Umha súpeta fusom do núcleo converteu a oportunidade em êxodo e o dinamismo em desfeita.

E vou-me deixando de reflexons hipotéticas, umha vez passado o que passou. Os primeiros passos na zona restringida som, efectivamente, como pisar a lua. Mas umha lua que foi terra algumha vez, como um simulacro de vida ainda latejante. O ambiente que se respira, se me é permitida a hipérbole desde dentro deste traje, é o dum quadro estantio: cinemas, tendas, bibliotecas... parece que ainda estám a ser utilizadas, ao tempo que semelha impossível que o fossem algum dia. E é que neste ar silente aboia umha contradiçom, que sobrecolhe mais do que qualquer estrondo. O tránsito quedo deixou a vila a meio abandonar, e vai alá a metade dum século. Qualquer um diria que entre os mais poderosos efeitos da radiaçom se conta o de deter o tempo.



Aurélio Gondaísque, correspondente do Jornal da Chaira. Abril do 2077.

viernes, 2 de noviembre de 2007

Conto de velho

Olhade, rapazes. O home que vos fala é apenas um velho sem fôlegos cujo caxato nom é quem de o ter em pé. Mas noutrora fum moço bulidor e garrido como sodes vós agora.
No meu tempo de mocidade, numha Galiza de entre-séculos que alviscava o vinte-e-um como se tal cousa, ainda nom era conhecida esta zona como sector B-72, como ouço que lhe chamades vós hojendia.
A nossa aldeia tinha um nome muito mais milenário e telúrico. O nome que os séculos e o povo lhe deram: chamava-se Quistiláns.
Lembro que, na altura, as casas feias dos ricos começavam a abrolhar como cogumelos venenosos a ferir a pobre e fermosa aldeia. Era o começo do fim. Mas só o começo.
Arrodeavam-nos os eidos, polos que de cativos tínhamos corrido às escuras entre os canhotos do milho, cuidando de nom cair numha cortinha e apanhar umha boa molhadura. Mais alá, um mundo de monte verde e esvaradio estendia-se mesmo até onde os nossos olhos podiam ver: regueiros, fervenças, castros de celtas comestos polos liques e um feixe de lendas arroladas polo vento.
Daquela, a litúrgica e cerimonial língua na que vos estou a falar, que é a vossa própria, ainda nom esmorecera de todo. A mim falavam-ma meus pais e meus avôs, para logo eu poder falá-la com outros. E decatámo-nos de que nom a podíamos deixar morrer.
Nom quero enganar-vos. Eu nom fum coas vacas como foi meu pai. Nem sachei de sol a sol nem conhecim o estrume. Mas as minhas mans si que deixárom algo do seu pelejo nas uveiras, nalgumha obra de Framil ou a debulhar os chícharos da Esperança. Eu nascim num mundo que era como o de antes, mas que começava a ser como o de agora.
Por isso mesmo pido-vos, filhinhos e filhinhas, pilhabáns e carpisas, que lembredes quem sodes e que sejades vós mesmos. Que saibades o nome autêntico do vosso sector B-72 e que o saibam também os vossos coraçons e a vossa fala. Essa é toda a herdança que nós, os velhos de hoje, vos podemos dar.
(Morre o lume da lareira).

No sector B-72 a fins do XXI.



[Publicado na Folha da Fouce número 0]